domingo, 12 de outubro de 2008

Ensaio Sobre a Perda da Visão



Numa sociedade futurista e tecnocrática, uma bactéria que provoca cegueira se alastra e contamina boa parte da população. Uma única mulher, por sua vez, consegue um antídoto que lhe restitui a visão, mas causa surdez. O remédio, contudo, tem efeito temporário e, como lhe informa o médico, causa cegueira após sua atuação.

Assim, sabendo que há de ficar cega, a mulher começa a fazer as suas atividades, viver o seu quotidiano, com os olhos vendados, numa espécie de preparação para a cegueira que se aproxima quando findo o efeito temporário do antídoto. Ela anota suas experiências num diário sob o título de "Ensaio Sobre a Perda da Visão". Diferente de outras histórias, a forma de contágio por aquela bactéria não se dá pelo contato com pessoas infectadas, de modo que qualquer medida de isolamento daquelas é inteiramente inócua.

O tempo passa e o Estado descobre um antídoto sem efeitos colaterais, cuja aplicação nas pessoas infectadas tem ampla divulgação por rádio, mas não televisão nem imprensa escrita, uma vez que as pessoas todas - exceto a mulher - ficaram cegas, sem poder ler nem ver TV; e as que não foram infectadas não constituem um grupo interessado na medida, de modo a não fazerem parte do público-alvo da maciça campanha publicitária estatal.

No dia da aplicação da vacina, a mulher surda viaja para o campo e não toma conhecimento sobre a atuação do Estado. Não que a vacina a fosse curá-la, mas como não há qualquer registro sobre sua situação, o Estado não se ocupa do seu problema. Era também era o prazo de validade da vacina anterior que lhe restituíra a visão e causara-lhe surdez. Assim, a mulher permanece surda e se torna cega, enquanto todo o resto da população volta a enxergar normalmente.

O seu diário é descoberto e publicado sob o título Ensaio Sobre a Visão Latente, ganhando uma adaptação para o cinema, contemplada com o prêmio de melhor roteiro adaptado na Academia de Cinema de Hollywood. Um escritor português se interessa e transforma a história em romance de grande sucesso, intitulado Ensaio Sobre a Cegueira, sensibilizando inclusive a comissão que julga os trabalhos concorrentes ao Prêmio Nobel de Literatura. Por não se tratar dum trabalho original, ele não consegue lograr aquela premiação.

A mulher, que já era surda, fica cega, mas enriquece com os direitos autorais de sua história. O livro se torna best-seller depois do sucesso de bilheteria do filme. Alheia a tudo, a mulher segue sua vida, cega e surda e rica. O escritor português deslancha sua carreira e ganha o Prêmio Nobel de Literatura pelo livro Ensaio Sobre o Evangelho, a partir do qual ele dedica uma série de obras ao tema "Ensaio" (Sobre o Segundo, Sobre Jesus Cristo, Sobre Todos os Nomes, Sobre o Cerco de Lisboa, etc).

Enfim, foi assim. No detalhe, veja a mulher ensaiando.

sábado, 4 de outubro de 2008

Uma Grande Perca

Eles cresceram em meio à pobreza e rapidamente adentraram a criminalidade. Matar era banal, fazia parte do negócio. Mataram muitas pessoas, entre outros crimes.

Um dia, cansado daquilo tudo, Lázaro Ramos decide e brada aos comparsas:
- Chega desse negócio de preto matando gente! A gente agora é cidadão, rebãe!

Nem todos se sensibilizaram, vindo a morrer também em pouco tempo, todos. Os que o seguiram, entraram no supletivo para completarem ou mesmo começarem os estudos. Ele consegui um emprego e seguiu estudando até passar num vestibular. Trabalhava na Di Santini de dia estudava Ciências Contábeis à noite, numa faculdade particular.

No dia da sua festa de formatura na Blue House, porém, ele foi atropelado por um filhinho-de-papai e morreu no local enquanto todo mundo o esperava. O motorista fugiu sem prestar socorro, mas populares que testemunharam o ocorrido informaram a placa do carro à polícia, que saiu em diligência até encontrar e dar voz de prisão a Wagner Moura, que conversava com amigos e tomava cerveja num posto de gasolina no Itaigara.

No enterro, era grande a tristeza. As palavras se repetiam.
-Valeu, véi. Você foi uma grande perca pra gente - dizia um.
- Essa perca é demais. Quem vai lhe substituir no baba? - perguntava outro.
- Você não merecia essa perca - lamentava a tia de Feira de Santana.
- Essa perca foi demais!
- É uma perca inestimave...
- Esse cara é uma perca que aborrota o coração do peão...
- É a perca maior que o cara tem é a perca de camarado...
Sua mãe era quem mais sofria. No sepultamento, chorando muito, disse:
- Você é tudo que representa pra mim. Eu não vou agüentar essa perca.


Depois do funeral, todos desceram para a Baixa de Quintas e seguiram para o mesmo ponto-de-ônibus. Todos pegaram "Lapa", lotando quatro ônibus seguidos.

Esta é só mais uma história de "uma grande perca".

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O Nome do Meu Filho

Será Jônatas, escrito assim. Jônatas ainda não há nascido, mas fora já concebido em sua idéia, de forma a estar pronto quando dado à luz. Não será necessariamente meu descendente direto, podendo assim vir a ser filho adotivo, o que é positivo para ambos nós.

Jônatas será bem-criado e quisto por onde passar. Há de crescer em meio a crianças judias e será um judeu legítimo. No seio do judaísmo, terá uma esposa judia, dando-me uma neta ruivinha e sardenta tão logo se case. Se, contudo, preferir uma relação homoafetiva, também não será problema, porque judaísmo aceita tal união. Ademais, não será médico nem advogado, comerciante, agiota, sanitarista; não professará o que não houver aprendido nem dirá outras coisas em vão.

E, salvo melhor juízo, este é o seu parecer, filho?