segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Hermínio Fraga Está Fora de Outrem

Não se sabe por que, mas quando e onde, com razoável precisão, Hermínio Fraga caiu-se fora de outrem. Isso era tacitamente aceito entre os presentes, e todos que consigo têm algum envolvimento, por inquestionável que é o fato de estar inteiramente em si. Hermínio Fraga está perfeitamente em si.

Há poucos dias, ele apresentou o primeiro comportamento, digamos, "inusual" - cabem aspas, creia - para quem mesmo rasamente o conhece. Indagado sobre o fim-de-semana, verteu aquele olhar perdido, muito seu, para o horizonte, e disse:

- Não me interessam os pequenos prazeres e gozos, as pequenas virtudes e fidalguias, as pequenas... ah, cansei de vocês.

E saiu sem se despedir. A resposta, como se não bastasse o tom, estava completamente fora de contexto. No mais da vida, tudo seguia como dantes. Ora, havia claramente algo estranho com o que se passava com Hermínio Fraga, filho de Augusto de Moura Fraga, boêmio incorrigível, e Belinda Carvalho Fraga, mulher louca e ensimesmada. Então, quer dizer, na verdade, sua filiação não tem qualquer relação com seu estado metafísico - sim, porque não é exatamente a mentalidade nem a espiritualidade, mas um negócio amalgamado dessas e doutras, "metafísico" é mais amplo, sem perda de sentido - mas, vale mencionar algo breve sobre seus pais, todo mundo gosta de ser lembrado. Mas, sim, Hermínio Fraga está em si, sobre cujas evidências não recai qualquer dúvida: trata-se de outra pessoa, de cujo centro, prumo, eixo, como quer que se chame isso, ele está fora.

O que mais intriga o açougueiro, amigo e confidente de Hermínio (Fraga), é quem será essa pessoa. Porque é sabido por todos, e particularmente o açougueiro, quais as outras pessoas que são Hermínio Fraga. Quer dizer, ao menos pensava-se que se as soubessem. Mas, também, como confiar no açougueiro?

Enfim, prosseguem as investigações pela Delegacia de Esquecidos, Omitidos e Inoticiados, onde se prestou queixa da debanda não-notificada de uma das personalidades de Hermínio Fraga, a cujo propósito, diga-se que se trata apenas de uma possibilidade, porque a polícia precisa aventar hipóteses para investigar, além de tudo o que apresentam os queixosos, especialmente quando são leigos em policialística. Continua, porque ainda nem começou direito.