segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Sobre Meu Livro Inacabado

 Rio de Janeiro, 11 de abril de 2003.

Por Noemi Vieira.

“Olá Frederico,

Difícil falar sobre o seu livro sem me lembrar de grandes nomes da literatura como Hermann Hesse, Ítalo Calvino, Clarisse Lispector e, por que não dizer, Gustave Flaubert. Não que você os tenha lido e se apropriado de suas formas artísticas deliberadamente. Falo do tino metafísico que permeia a obra dos três primeiros e da obsessão estilística que persegue o último.
Parece-me que você usa a linguagem figurada para retratar o mundo físico (a matéria) – intenção que a priori torna-o paradoxal – como também o que há fora dele (metafísico). Ou seja, você conta a história de Aurora e Observador (personagens que possuem, inclusive, nomes muito significativos), sem deixar de sequenciar simultaneamente uma narração que permeia a subjetividade e o cosmos. (Será que a sua intenção foi essa mesmo?)
Questões que encontrei como a fugacidade do tempo e da aurora (no seu sentido semântico), a origem da vida, a efemeridade dos dias, a fluidez da matéria e a realidade dos sonhos denotam um ser inquieto com o mundo, inconformado com as estruturas e desiludido com a aparente solidez das coisas que nos rodeiam.
Hesse procura a verdade na contemplação, Calvino persegue a precisão das significações, Clarisse dialoga com a origem, com o princípio, com o Deus e, por fim, Flaubert constrói sua trama nas teias da sinuosidade da sintaxe, das frases subordinadas, das descrições quase obsessivas do mundo à volta. Você é um pouco de tudo isso. Um mosaico de idéias e formas ainda não amadurecidas (ou, talvez, inovadoras), que nos traz uma inquietude cá dentro da alma, ora por sabermos intuitivamente do que se trata, ora por não sermos pacientes o suficiente para esmiuçarmos a significação primeira de seu texto, tão diluída num mar de minudências e reflexões.
Algumas coisas me fogem à cognição, como "a barra de metal" (que será?), o verdadeiro vínculo entre Aurora e Observador e, ainda, o menino com o qual ela se desculpa. Posso pensar que as três personagens formam uma família (se sua intenção também é contar uma história real), e também posso pensar não ser nada disso.Todavia, acredito que só com a continuação do livro seria possível mais clareza e objetividade. O desenrolar dos fatos me elucidaram dúvidas acerca do enredo, se é que se quer dar um sentido compreensível a história em si.
De qualquer forma, isso não o exime do talento nato. O "veio literário" já é fato constatado. Precisa ser lapidado, moldado, trabalhado, mas a essência reflexiva, tão imprescindível aos escritores, respira frenética dentro de você.
Continue o livro. Dê corpo a sua história e vida as suas personagens. Isso não só revelará um talento "enterrado" no mundo da Geofísica como fará bem ao seu "eu" de dentro.

Beijos,
Noemi.

Ps. Constatei algumas inadequações de concordância e regência, mas nada que comprometa o todo da obra nem diminua o valor de seu trabalho.

Nenhum comentário: