sexta-feira, 1 de maio de 2009

Prefácio

Quando criança, sentia-me livre para crer que possuía um veio literário; e eu o cria. Tinha motivos para isso: compunha boas redações na escola, escrevia poemas nos freqüentes momentos de inspiração, contemplava e refletia sobre o mundo à minha volta. Não era exatamente uma criança ou pré-adolescente prodigioso, mas me debruçava sobre questões que hoje me parecem profundas, às quais ou já foram superadas, ou já não dou importância, ou simplesmente deixaram de fazer sentido. O tempo passou, eu cresci um pouco, e, neste 07 de fevereiro de 2002, aos 26 anos, eis que me vem tal lembrança e cá estou a escrever-vos este prefácio do resto da vida. Não o faço agora por pensar manifesta aquela "criatividade tamanha", pois que se mantém tão latente quanto tem sido por todos esses anos (uns dez, mais ou menos), mas acho que me devia esta reflexão e conforta-me mais compartilhá-la convosco.


Completados 18 anos de idade, quis não amadurecer até o décimo nono e lamentei ter ido além do décimo sétimo. Fatalidade inexorável, não pude evitar. Nessa época cursava o quinto semestre de Instrumentação Industrial na então Escola Técnica Federal da Bahia; um tempo em que éramos felizes e eu sabia (mas isto já é outra história). Vislumbrava o fim do curso técnico e a busca por emprego, por uma vaga na universidade; era o momento de por em prática algum projeto de vida onde, pelas circunstâncias, não mais cabia o de um visionário literato; foi p primeiro momento da vida que julgo ter tido motivo para temer o devir. Já não tencionava escrever um romance, livro de crônicas ou poemas, mas vez por outra encontrava as palavras certas, às vezes numa carta, numa frase solta que me vinha à mente; não era muito freqüente, mas me satisfazia. Talvez as cartas tenham sido as minhas principais manifestações literárias, além de as mais originais. Eu gostava tanto de algumas que cogitei catalogá-las e arquivá-las, não para publicação futura - ou talvez para isto mesmo, publicá-las na rede, como agora -, mas, quem sabe, para documentar literariamente a minha passagem sobre a Terra, constituindo uma memória remota da minha vida, à parte da minha cabeça, que deveria ater-se a demandas mais relevantes. A motivação para isso surgiu da correspondência com o meu amigo Alexandro Oliveira Nunes, o "Bunito", que mudara-se para São Paulo. Recheada de um humor sutil, às vezes negro e ácido, absurdo, e de metáforas compreensíveis apenas para o seleto "Grupo dos Quinze" (ETFBA, 1993), a nossa correspondência era muito profícua. Guardei algumas cartas, mas ainda não sei se publicá-las-ei aqui.


De qualquer forma, a despeito de qualquer talento para a literatura, o fato é que eu já escrevi um livro: "Em Busca de um Destino". Eu contava doze anos de idade e cursava a sexta série no Colégio Nossa Senhora das Mercês, no centro de Salvador. A professora de Redação passou como trabalho para avaliação da 4a unidade, a escrita de um livro. Para tanto, dividiu a turma em equipes, deixando o tema de nossa livre escolha. Isso representava a realização de um sonho e eu não perderia essa oportunidade: tomei a frente da minha equipe, criei a estória e distribuí os capítulos entre os integrantes. Não sei se não fui suficientemente claro ou se era personalista demais, mas aconteceu que o que eles trouxeram distoava um pouco da idéia original. O principal problema foi o fato de alguns capítulos terem sido escritos em terceira pessoa, enquanto deveria sê-lo na primeira, originalmente. Algo tinha de ser feito. Eu tomei todos os manuscritos e reescrevi quase tudo. Consegui respeitar a idéia de cada um, eu acho, apenas procurei concordar o que eles escreveram com o início da estória, que ficara por minha conta, assim como os capítulos finais. Era uma aventura ambientada nos anos 40, narrada em retrospectiva pelo protagonista, cujo nome já não me recordo, para os dois netos. A estória é a de um homem que vai passear em Caracas e é preso por um assassinato que ocorreu numa praça pública onde se encontrava; é condenado a cumprir pena na prisão insular "Sarcófago do Diabo", no Sul da Argentina. Lá, conhece outros presos que planejam e executam uma fuga: alguns conseguem, outros sucumbem. É um sofrimento só até o homem conseguir voltar a Salvador, onde é novamente preso, mas desta vez julgado e inocentado.


Em 1996, uma seqüência de imagens e palavras fez-me crer que eu repetiria aquele feito: era mais um livro que se me anunciava. Escrevi alguns capítulos, mas não cheguei a desenvolver o enredo mais profundamente. Uma pena, pois a estória tem tudo para ser bonita. Sério mesmo! Tem título e tudo. Chama-se "Apêndice no Tempo" e conta os sonhos de uma noite de sono sob a ótica do sonhador (que sou eu) que se transmuta em dois sujeitos: Aurora, que atua no sonho, e o Observador, que assiste a tudo e representa a consciência do sonhador; não tem a pretensão de encerrar qualquer moral, nem fazer quaisquer reflexões, mas apenas narrar um sonho imaginário com algum lirismo. Além de um pedaço do começo, escrevi também o final. Não sei se hei de concluí-lo algum dia... Na verdade, isso nem é primordial, porque no fundo, no fundo, eu já me dou por satisfeito em concluir dizendo "(...) os sonhos são apêndices no tempo". Isso ainda está manuscrito a lápis, na minha agenda de 1995 ou 1996, não me recordo agora, mas ainda tenho ambas.


Eu ainda penso em dar vazão ao meu pretenso "veio literário", mesmo ante à possibilidade de já ter se esvaído, ainda mais agora, com o advento do correio eletrônico. Ademais, o meu projeto de vida está bem mais claro e, sobretudo, em curso. Aproveito os lapsos de inspiração para me divertir com pensamentos, que acabaram dando origem a uma secção neste sítio, por sinal, muito pobre por falta de transcrições freqüentes daqueles contos. Hoje, vejo muito distante do que eu realmente considero um sonho, que é ser cineasta, até porque tenho a clareza de que muito dificilmente obteria as respostas que busco. Eu poderia pensar em mudar de projeto, mas se o fizer e tudo der certo, eu serei um cineasta real e não é isto o que eu quero. Prefiro escrever e dirigir os filmes no meu próprio universo, onde minha realização é plena. Ao que tem me parecido, este projeto ficará para outra vida; para esta, fartar-me-á de satisfação e regozijo responder a quem quer que me escreva para compartilhar comigo a narrativa que este prefácio inicia. Boa leitura.

Salvador, 08 de fevereiro de 2002.

3 comentários:

Anônimo disse...

Você devia ser cineasta. Pelo menos por hobby. E curtir mais o mundo aqui, fora da sua cabeça.

Fafo disse...

Eu realmente penso nisso. "Cineasta" parece-me pretencioso, mas "videógrafo amador" soa-me mais realista :-). Tenho umas coisas gravadas, principalmente dos Estados Unidos. Coisas soltas, mas que podem virar alguma coisa. A propósito, você precisa terminar a dublagem do meu primeiro filme.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.