quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A Lanterna ( I )

O horizonte parece sombrio se visto de meia-altura, erguer-se dá alguma vida a certa luz que possa haver ao longe. Deste ponto, pouco se sabe - e nem mais do que isso é possível - sobre o que pode haver além, porque mesmo a pouca luz não permite discriminar a existência de mais de uma feição. O homem, o prudente, traz sempre consigo a lanterna, pensa que pode ver mais ao aproximar-se da linha.

Os matizes do horizonte parecem, ao homem, pobres de cor. - Os matizes do horizonte me parecem sempre pobres de cor... - pensa, com a lanterna. Esta, pois, é a história do homem e a lanterna para iluminar o horizonte.

Já lhe ocorrera outras cores alhures quando de janelas fechadas em sua casa. Os olhos cerrados abrem-lhe as portas do mais imaginavelmente infinito dos mundos. A vigília, menos que uma demanda do corpo, é condição suficiente para digredir através do imaginário. Ao contrário de quando se lhe abrem as portas e janelas para o horizonte, vê assim matizes e cores vários, prefere, porém, os mais foscos, de pouco brilho. Cumpre dizer que se chama Gregório, filho de Brás e Maura. Sobre seus irmãos também há histórias que, por muito longas, não cabem em mais do que breves menções, quando oportuno.

Não se trata duma história sobre o cinza ou sombra, como pode-o parecer. Aliás, é mesmo possível que Gregório tenha importância menor em relação a seres inanimados como, por exemplo, a própria a lanterna. A propósito, confiramo-lhe um ânimo primitivo e, doravante, chamemo-la "A Lanterna". Há um mundo, além da janela, onde a noite é conto do sonhador, é escuro e só Gregório pode portar "A Lanterna", o que não chega a ser um privilégio simplesmente porque não há outrem, quer possa portá-la, quer não possa, enfim, não há outrem, inexoravelmente. É preciso crer num futuro propósito para a criação deste cenário logo agora, ou a constatação da dependência da ordem dos fatos pode inviabilizar a verossimilhança da realidade ordinária, futuramente experimentada pelas partes. É um risco, intrínseco a qualquer decisão.

Abertas portas e janelas, o horizonte parece cinza, quando visto a meia-altura, como já se disse ver Gregório. Um passo à frente da porta, ascende A Lanterna. Há quem diga e conte as cores do horizonte, as quais Gregório tem muito vaga idéia do que sejam (sabe-as pelos contos dos velhos). A Lanterna sabe as cores e está um passo mais próxima do horizonte.

(Continua).

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