terça-feira, 28 de abril de 2009

Caipora

Minha primeira experiência com a Caipora aconteceu na localidade do Chame-Chame, em Salvador. Quando o fato se deu, entendi as ocorrências no mínimo estranhas, por época da inauguração do Shopping Barra, envolvendo vitrais de escadas rolantes. Comentou-se na época - idos de 1987 - que o empreendimento fora erguido sobre um antigo cemitério indígena. Bobagem, a assombração era outra.


Em 1998 eu me mudei para o Chame-Chame, exatamente para a Rua Norma... não me lembro; esquina com Ary Barroso, enfim. Eu circulava pelo Chame-Chame para quase tudo, bastava sair casa. Um dia precisei ir ao Shopping Barra... aliás, não, fui com Vera, minha colega, porque ela precisava fazer alguma coisa relativa a sua conta de telefone. Havia uma ala inteira destinada a serviços, onde a companhia telefônica ocupava maior espaço. Passei várias vezes em frente ao lugar, e nada. O shopping tem uma arquitetura radial e eu entrei em todas as alas, de todos os pisos, e não encontrava o lugar. Uma busca de não mais do que cinco minutos levou mais de quarenta, até que encontrei. Ufa! Quando cheguei lá, me veio o lampejo: foi a CAIPORA.


Desde então passei a prestar atenção e constatei ter sido várias vezes pego pela Caipora em minhas andanças pela cidade do São Salvador da Bahia (e olhe que batia perna). Amigos meus me contaram episódios que protagonizaram, de se perderem em lugares conhecidos, de irem alhures (e até nenhures, mas aí, quase sempre, tinha fumança no meio); adverti-lhes: foi a CAIPORA.


Eles ficaram atentos e a partir de então contamos uma quase infinidade de atuações da Caipora na Capital e interior. De que a Caipora estava viva e ativa, não se tinha mais dúvida, era senso mais que comum. Só não sabíamos ainda quão amplamente. Nessa época, algumas lembranças começaram a ter razão.


O primeiro relato realmente verossímil sobre a Caipora fora-me feito pelo meu amigo Mazinho quando eu contava uns doze anos de idade.
- A Caipora pegou mãe ni São Joaquim (1), condo ela deu por si, tava na Lapinha.
Fazia sentido. Agora, relembrando, várias perguntas vêm à tona: ela subiu o plano-inclinado Liberdade-Calçada? ela subiu a ladeira de Água Brusca? a do Canto da Cruz? a enconsta do Santo Antônio? O povo dizia - Porque, uma coisa é certa: ônibus, ela não pegou... O plano, ela podia ter subido de escada, porque quando a pessoa tá virada na Caipora, não age por si, só sente dor quando acorda! - o povo já gosta de aumentar, nem tem ônibus de São Joaquim pra Lapinha. Fato é ela acordou sem dinheiro e sem a sacola da feira. Pobre de Dona Guiomar.


Depois que saí de Salvador, achei que não veria mais dessas coisas, mas eu estava errado. Vim para o Rio de Janeiro e a Caipora já me pegou pelo menos três vezes da mesma forma, fora as outras. Eu preciso ir a um certo bairro uma vez por mês, donde sempre volto de ônibus para casa; há, porém, uma única linha, que eu me lembre, que não serve, o 157. Peguei-o uma vez, deu-me um branco, não fiquei de todo desacordado, foi muito rápido. O ônibus andou uns 200 m e entrou, quando deveria seguir em frente. Eu senti um negócio estranho, não sabia o que era, rapidamente descobri; entrei num ponto, saltei no outro: foi a Caipora. Noutro mês, peguei de novo o 157, aí ele dobrou: foi a Caipora. Em outro mês, de novo. As lições que ficam é que a Caipora atua no Rio de Janeiro e anda direto de 157 .


Assim, não resta muito o que fazer. O negócio é evitar sair sozinho e rezar pra não acordar em lugar estranho. No mais, se a Caipora lhe pegar, você só vai saber da história pelos outros, e, depois, é só cantar


Tererê, tererê, tererê
Tererê, tererê, tererê
Tererê, tererê, tererê
CAIPORA


e fazer a dancinha. E só.


(1) Ele se referiu à Feira de São Joaquim, na Cidade Baixa.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Chegada de Tatu Abala Paulicéia

Da redação.

Na manhã do último sábado, dia 26, Tatu Campos desembarcou no Terminal Rodoviário do Tietê. Enquanto dirigia-se para a estação do metrô, tudo por que passava se transformava: a ela seguia-se uma ventania que carregava latas de lixo, bancos e pessoas; algumas, por outro lado, voavam espontaneamente graças ao poder que Tatu lhes conferia.

Os passageiros daquele trem do metrô de São Paulo não faziam idéia da viagem que fariam até a Estação Ana Rosa. Quando Tatu entrou no vagão, uma luz muito intensa brilhou no céu e vários prédios vieram abaixo. Em seus lugares, brotavam árvores gigantescas que cresciam até as nuvens. O chão começou a tremer e as pessoas entraram em pânico. Quando o trem partiu, a linha já não era a mesma, pois logo na saída, os vagões descreveram uma volta de 360 graus em torno do próprio eixo, mas a cadeira em que Tatu sentava permaneceu em movimento horizontal, visto que desprendera-se do piso, flutuando inatingível no meio do vagão. O trem subiu, desceu e fez uma infinidade de corrupios, seguindo uma linha que até então não existia.

Chegando na Estação Ana Rosa, Tatu desceu e as transformações continuaram. O céu de São Paulo brilhava e irradiava um azul nunca visto depois do seu primeiro motor a combustão. Tomando um outro trem até a Estação Clínicas, fê-lo mover-se a uma velocidade comparável à da luz, tal que os passageiros sentiram-se teletransportados. De lá, cansada dos meios de transportes convencionais, voou até o Alto de Pinheiros, que está agora muito mais alto, depois da ascensão de uma montanha que elevou todo o bairro, de onde é possível ver a cidade em sua totalidade.

A prefeita Marta Suplicy decretou estado de sítio a fim de facilitar os trabalhos da polícia, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e Exército de adequação da população à nova fisiografia da cidade. Apesar de presa em suas casas, a população está satisfeita com a nova paisagem da cidade. "Num vejo a hora de pudê saí de novo pá as coisa que Dona Tatu fez pra nóis!" diz Dona. Maria, lavradora baiana de Inhambupe, em São Paulo há dois anos.

As autoridades acreditam que seja possível decretar o fim do estado de sítio nas próximas 24 horas, quando Tatu provavelmente já estará em Petrópolis, levando a sua nova ordem àquela cidade.

Date: Fri, 1 Jun 2001 10:00:29 -0300 (GRNLNDST)

domingo, 26 de abril de 2009

O Salto

A ausência constante
A luz, o nada, a parede fria
Os olhos parados, calados
À espera do fim do dia

E a luz se apaga
E o mundo dorme
E o calor dá lugar à ventania

E quando o silêncio
Alcançar o pico mais alto
Talvez seja o momento exato
De precipitar-se ao salto...

Por Eduardo Campos, Eduardo Rossiter, eu e Leonardo Campos.
Salvador, entre 1991 e 1992.

Londres, 27 de fevereiro de 2009 (I)

Acordei às 8:00h quando o despertador tocou, cochilei, levantei-me às 10, hora em que se encerra o café-da-manhã no hotel. Saí para ir novamente à National Gallery para ver novamente os quadros de van Gogh e a exposição de Picasso. Passei na Queensway para tomar café. Fui a um mercadinho e comprei dois somosas (pastéis) com um café americano, um espresso diluído. Eu pedi só um e ele entendeu dois: comi-os ambos dois. Aproveitei para voltar ao hotel e fazer uma higiene bucal. Tornei a sair para cumprir meu plano.

Fui da estação Queensway até Tottenhann Court, e de para Saint Cross: não precisava tudo isso, bastava ir até a Leicester Square, a duas quadras da Trafalgar Square, onde fica a National Gallery. Saí da estação e comecei a seguir as placas que indicavam o caminho do British Museum*, até o tempo de caminhada indicado nas placas começar a crescer novamente; eu achava que ia bem. Descobri a tempo que rumava para o lado errado, não oposto, mas perpendicular. Tornei a subir a rua até um cruzamento que identificasse no mapa; era o da New Oxford com a Charing Cross, que termina na Trafalgar Square. De volta ao rumo, segui.

Na mesma praça fica a igreja de St. Martin in the Fields, que mantém uma orquestra e apresenta vasta programação musical. Puxei conversa com a garota que distribuía panfletos para um concerto esta noite com Mozart e Händel no programa; ao receber o panfleto, disse-lhe que não poderia por ter um outro para ir; ela então me disse que poderia então assistir o recital daquele momento: foi até a entrada da igreja e voltou orientando-me a esperar o término da primeira peça e entrar para a segunda. Foi o que fiz. Tratava-se dum recital de piano duma série dedicada a jovens músicos do mundo. Começava a segunda peça, 3 Mazurkas, de Chopin, com o pianista Konstantine Lapshin, da Rússia. Aproveitei para atualizar estas notas ao som de Momentos Musicais 3, 4, 5 e 6, op. 16, de Rachimaninov. Eu estou sentado bem atrás da coluna e não posso ver as mãos do pianista; uma senhora e uma jovem a a meu lado foram para a escada para verem melhor - creio - e conseguiram, em Estudos, op. 8, n 12 em D#m, de Scriabin, a última peça do programa. São 13:50h, mais ou menos. Agora, National Gallery, Trafalgar Square.

  1. The Chair, 1888.
  2. Farms Near Auvers, 1890.
  3. Sunflowers, 1888.
  4. Long Grass with Buterfflies.
  5. A Wheatfield with Cypresses, 1889.
  6. Two Crabs.
São os quadros de van Gogh.

Pela segunda vez na National Gallery, vim direto a van Gogh, de cujas seis telas, cinco estão na mesma parede, perpendicular à que porta "Two Crabs". Nesta segunda visita tive a mesma reação da primeira, ainda considerando que há na sala obras de Cèzane, e de Manet, Monet e impressionistas, mais Degas na sala ao lado. Talvez eu precise voltar aqui para me emocionar assim.

Fui ver Jan van Eyck. Voltei para ver Girassóis mais uma vez. Vale. Depois de ver mais uma vez e não chorar (finalmente), acho que preciso comer.

Entrei num mercadinho de indianos na Crossing St. e pedi uma marmita (2.30 libras), com grão-de-bico e vagem, um arroz com açafrão e um cordeiro picante. Como todo mundo, comi sentado nas escadarias da Trafalgar Sq. em frente à National Gallery.


(*) Eu não sei se só escrevi errado ou se estava realmente indo para o British Museum, embora pensasse ir para a National Gallery. Está assim no manuscrito.

Londres, 27 de fevereiro de 2009 (II).

Fui para a exposição de Picasso (12.50 libras) e comprei o guia sonoro (3.50). Comecei a seguir a exposição chegando a visitar três salas. Estava na terceira quando anunciou-se nos fonoclamas um defeito na rede elétrica pedindo-se a todos que evacuassem a galeria e fossem para a área pública mais próxima. Saí e tirei fotos de Anita, um moça húngara que reproduzira uma pintura no chão. Desci a Whitehal St. e entrei numa transversal que me levava bem para a frente do London Eye. Já eram 18:15h e eu precisava ir ao Barbican Centre para o concerto de Nelson Freire. Aproveitei para atualizar estas notas (1). Talvez seja bom fazê-lo com as dos dias anteriores(2).

Pouco antes da execução da primeira peça sentou-se do meu lado esquerdo uma daquelas pessoas que conversa com desprendimento. Perguntou-me quando estivera lá pela última vez; - Ontem. - respondi; rimos. Ela me contou que sua última vez fora há 16 anos. Teceu alguns comentários que não entendi muito bem. Antes que prossiga, o concerto está sendo gravado (3).

Enquanto conversávamos e eu tomava estas notas, ela me perguntou em que língua escrevia. - Portuguese. - respondi. Falou algumas coisas e me contou ser especialista em sons (em fonética, creio). Quando contei-lhe ser brasileiro... peraí, Nelson Freire.

(...)


- Portuguese is the romance language that I understand the least.

(...)

Nelson Freire tocando o Concerto n. 2 em Fá menor para piano e orquestra. Eu estou muito feliz.

Eu não vejo o teclado, mas eventualmente, o reflexo de sua mão direita e acionar dos pedais.

Quando vi o regente, assinalei no programa "muito jovem". Li-o e vi que tem 23 anos: um prodígio.

Só na volta ao hotel retornei a estas notas; vamos a elas. Depois do concerto conversei um pouco mais com a senhora que me confirmou ser especialista em fonética. Ela me deu um cartão seu onde vi que se chama Ellen Mirian Pedersen e, a julgar pelo endereço, é dinamarquesa. Pedi mais um de seus cartões, escrevi meu nome e a frase "Prazer em conhecê-la." Despedimo-nos.

Estava decidido a voltar ao Soho, não só considerando a possibilidade de reaver nossas camisetas esquecidas no domingo, mas sobretudo para aproveitar a noite. Tomei o metrô em Barbican e , munido do mapa, saltei em Tottenhan Court. Conferi o endereço no mapa e encontrei a Frith St., aonde fora. A fila na entrada do Ronnie Scott estava maior do que no domingo, o que me fez resolver circular, tanto para reconhecer o ambiente como para esperar diminuir a fila. Percorri as três ruas: Greek, Frith e __________________ (4), até que resolvi entrar no Three Greyhounds, (um pub) que parecia animado. Perguntei pela cerveja mais forte que era uma cujo nome não guardei (5) - havia subscritos com letras cirílicas -, mas que tinha 5% de álcool; custou 3.50 libras o pint.

Voltei ao Ronnie Scott e perguntei ao segurança pelas sacolas que esquecêramos, ele me pediu que esperasse, o que me deu esperança. Depois, chamou-me para entrar e esperar mais um pouco no acesso à escada (e deixar o caminho livre, ora). Quando passou a gerente, ela me perguntou se precisava de algo, o segurança interveio e, antes que concluísse, ela completou - ... from Tate! - eu abri um sorriso. Esperei alguns instantes e ela me trouxe as duas sacolas "grampeadas" - acrescentou com ênfase, a moça. Foi bala, isso!

Dei mais uma volta pelo Soho e os bares estavam fechados porque já passava da meia-noite. Havia algumas danceterias (night club), inclusive uma de strip tease, das que são fully licensed e funcionam até as 3 da manhã. Entrei nalguns bares, mas todos "fechados" (abertos, sem vender). Resolvi voltar "pra casa".

Cheguei na estação Tottenhan Court e fui um dos últimos a entrar (eram 12 e pouca da noite). Ao sair em Queensway dei mais uma volta e nenhum estabelecimento vendia bebida alcoólica, mesmo os de 24h. Voltei para o hotel, onde o bar estava aberto. Pedi um pint de Kronenbourg e atualizei estas notas. Foi um bom dia, hora de me recolher. Vale.

(1) Já no Barbican Centre.
(2) Anteriores a 26 de fevereiro.
(3) Nelson Freire e Orquestra da Rádio BBC.
(4) Está assim no manuscrito, esqueci-me de conferir o nome da rua na hora.
(5) Staropramen (http://www.staropramen.com/), cerveja tcheca.

sábado, 25 de abril de 2009

Londres, 26 de fevereiro de 2009.

Acordamos às 3:00h da manhã em Nottinghan depois da noite quase não dormida. Devido ao concerto do Metallica chegamos ambos agitados ao hotel, e por mais que tentássemos, não mais do que dormitamos.

Não havia alguém na recepção para receber nossa conta, podíamos ter ido embora, mas tocamos a campainha para alguém nos atender. O cara veio e não cobrou as seis garrafas d'água mas somente o quarto.. Ele nos chamou um táxi e fomos embora para a estação de trem.

Roberto iniciou uma conversa com o taxista contando-lhe que éramos brasileiros e ele respondeu sorridente sobre sua vontade de "ir lá", acrescentando que era paquistanês. Prosseguindo, disse que ouvia-se falar muito do nosso vizinho de porta, Chávez, e falou sobre seus discursos na ONU. Roberto entendeu se tratar de Lula e os dois se divertiram muito, cada um com seu presidente. Ao chegar na estação, pagamos e nos despedimos. Ele prolongou um pouco mais a conversa e nos contou ser da Caxemira paquistanesa, pedindo-nos que mandássemos lembrança se encontrássemos algum conterrâneo seu no Brasil.

Chegando às 4:10h à estação, esperamos o trem até às 4:51h. Pela primeira vez estava frio. Chegado o trem, entramos e seguimos para a baldeação na estação seguinte, e aí sim, para Londres. O trem foi se enchendo nas estações seguintes e chamava atenção o silêncio das pessoas. Abri os olhos algumas vezes para ver a paisagem, em vão, ainda estava escuro. O dia amanhecia muito ao sul, no rumo do trem, por volta das seis da manhã.

Eram quase sete e estávamos em Londres. Enquanto todos iam para o trabalho nós íamos para o hotel, estávamos quebrados; acabamos dormindo até o meio-dia. Acordamos e, depois dos trâmites de mudança de quarto, saímos para almoçar num restaurante indiano que encontramos na Queensway. A comida estava excelente.

Tomamos o metrô para Southbanks indo para a "London Bridge e "Torre de Londres". Passamos pelo HMS Belfast, cruzador que lutou na Segunda Guerra Mundial, tendo participado da Batalha da Normandia; o navio estava fechado à visitação pública, então seguimos para a ponte.

Atravessamo-la, tiramos algumas fotos, fomos até a Torre. Rodeamos a fortaleza, vimos algumas coisas, passamos o tempo e já era hora de Roberto voltar ao hotel para fechar a conta, pegar suas coisas e seguir para o aeroporto. Eu precisava ir ao Barbican Centre para comprar o ingresso do concerto de Nelson Freire no dia 27 de fevereiro. Despedimo-nos e fomos cada um para seu lado.

No Barbican, resolvi assistir também o concerto daquela noite, com a London Simphony Orchestra e a violinista Midori, o que, aliás, foi muito acertado. - As pessoas são muito bonitas aqui - pensei quando vi Martina mais uma vez, uma recepcionista do Barbican. Em Londres é grande o risco de erro quando se diz "os ingleses" ou "os londrinos", é-se mais preciso dizendo-se simplesmente "as pessoas"; pois bem: as pessoas têm expressão de paz, por isso são bonitas. Comprei este Moleskine por 9 libras (isso mesmo!) e iniciei estas notas. Escrevi um pouco antes do concerto, mais um pouco no metrô no retorno a Queensway. Antes, um comentário sobre o concerto: foi magnífico, inesperadamente.

Saltei e quis comer alguma coisa. Há muitos restaurantes na rua, mas eu queria algo mais rápido. Andei até o fim e voltei e fiquei curioso pelo kebabe do Taza. Comi um com shawarma de cordeiro, na rua mesmo; comprei uma Coca-Cola 600ml (1.16 libras) e tomei mais da metade. Finalmente cheguei ao quarto e, além da higiene corporal, decidi-me por planejar o dia de amanhã, o que farei tão logo termine estas notas.

Por falar em planos, esta viagem estava fora, mas, decidindo-me por ela, senti-me livre para imaginá-la. É bem diferente e eu estou muito feliz (nada posso afirmar sobre o que sentiria se fosse como a imaginara). Eu estou feliz. Agora, o dia de amanhã. Vale.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sobre Tipos de Pessoas, Pessoas Próprias e Pessoas Alheias a Outras

As pessoas são diferentes. Há vários tipos de pessoas e cada uma se afina mais com uma coisa do que com outras. Trivialidades à parte, isso acontece harmoniosamente e estabelece a completude do mundo.


Além de diferentes, as pessoas não são únicas. Uma personalidade encontra existência em mais de uma pessoa, sendo que as de cardinalidade maior do que um constituem-se naquelas outras expressões da primeira personalidade. Para exemplificar, imagine-se que uma pessoa compreenda sua própria existência como única; pois, para ela, há, inexoravelmente, pelo menos mais uma que expressa a mesma personalidade, ainda que não primariamente. Trata-se pois duma segunda cardinalidade duma personalidade ou, simplesmente, duma outra pessoa que é a primeira.


Assim, pode-se enunciar formalmente o fato como se segue. Seja você e sua personalidade primária, a qual, por definição, tem cardinalidade igual a 1. Há pelo menos mais uma pessoa com a mesma personalidade, cuja menor cardinalidade é 2. De maneira mais simples, pode-se dizer que outra pessoa pode ser você. Isso, inclusive, admite o caso particular de a "sua" personalidade ser mais original na outra pessoa do que em si próprio. Mas, como eu disse, trata-se dum caso particular. O mais interessante dessas outras pessoas que são você é que a sua personalidade nelas independe completamente da mesma em si próprio, o que confere multiplicidade a uma mesma personalidade. Não se trata pois de repetição, replicação, muito menos reprodução ou imitação, mas sim de multiplicidade de uma mesma existência. Disso, precisamente, decorre a existência de tipos singulares de pessoas diferentes.


Como eu disse no início, as pessoas são não só diferentes, mas de "tipos" diferentes. Muito bem: num mundo de uma imensidão branca, um dia uma garotinha passeava com sua mãe, com quem conversava loquazmente. Ao ver a diversidade de pessoas na rua, comentou: - As pessoas são muito diferentes, né, mamãe... - ao quê a mão respondeu desinteressadamente - É, minha filha. Prosseguiram, até a menina exclamar:
- Veja, mamãe! uma pessoa que só é olho: uma pessoa visual!!!
- Um oculantropo, minha filha - corrigiu a mãe. Prosseguindo, explicou -A pessoa que só é olho é um tipo tal que só é um olho, cujo pensamento é seu próprio olhar, seu "ver o mundo" encerra sua existência e pensar próprios. Ainda caminhando, a garotinha prosseguiu:
- Veja, mamãe! uma pessoa que só é nariz, uma pessoa nasal!
- Um rinantropo, filhinha - corrigiu-a mais uma vez a mãe e tornou a explicá-la - que é aquela que não é outra coisa senão somente um nariz e nada mais. A pessoa do tipo que é somente nariz simplesmente respira e inala os odores do mundo para se comunicar.
E mais adiante,
- Veja, mamãe, uma pessoa que só é orelha, uma pessoa auditiva!
- É um auriculantropo - corrigia, já dando sinais de impaciência.
- Veja, mamãe, uma pessoa que só é casa! como se chama uma pessoa que só é casa, mamãe?
A mãe se surpreende com o fato, o que lhe dá um pouco mais de motivação para seguir com a conversa. Sem responder à pergunta da menina, ela, contudo, alimenta o diálogo:
- Uma pessoa que só é casa é um tipo de pessoa que é uma casa flutuante no ar na forma da consciência de uma pessoa -, o que a menina não entende imediatamente. E, antes que tentasse prosseguir, a menina surpreende-se ainda mais com o que vê, exclamendo quase histericamente.
- Veja, mamãe, uma pessoa que é uma cadeira! - e não consegue dizer mais nada, catatônica diante da pessoa que só é uma cadeira.


Uma núvem de lúmenes envolve a criança que se transforma instantaneamente num suco de laranja e sai flutuanto pela praia de Copacabana rumo ao infinito. A pessoa que só é cadeira se transforma na menina, para alegria da mãe, que nem pudera afligir-se pela rapidez dos acontecimentos. Com sua filha de volta, a mãe volta a seu estado de paz, concluindo que a cadeira é a outra pessoa que é sua filha, e o suco de laranja é outra pessoa na forma circunstancial da sua filha, numa personalidade de cardinalidade ainda maior do que 2.

sábado, 11 de abril de 2009

Eu Converso com a Secretária Eletrônica

É a melhor secretária que há. Gentil e eficiente, nunca se esquece de passar os recados aos chefes. Sempre que telefono para alguém e ela atende, espero sua saudação para deixar a minha mensagem. Realmente me agrada que ela não me interrrompa enquanto falo, e saber ouvir é uma qualidade que eu aprecio. Reciprocamente, procuro ser preciso em minhas palavras, mesmo que deva me delongar um pouco para tal.

As minhas mensagens são completas, parece até que falo sozinho, mas não. A secretária sempre espera que eu termine, salvo quando passa de um minuto minha fala, pois devem ser muitos os seus afazeres e, reconheço, ela não é a minha secretária, por cuja razão em si não está a meu inteiro dispor: padrão e critério são indispensáveis ao bom trabalho, concordo.

Eu realmente gosto de falar ao telefone com a secretária eletrônica. E, quase tanto quanto, também com as moças do telemarketing ativo, mas isso já é assunto para outra crônica.